Dinheiro de ninguém



No que diz respeito aos bens públicos, o dinheiro é o mais cobiçado, o mais burocratizado e o menos organizado. Toda burocracia tem uma única finalidade dificultar o entendimento laico e facilitar o acesso de quem está por dentro dos tramites internos.
Dificilmente um desapercebido saberá ler uma peça orçamentária. Entretanto, eles, mesmo sem ter capacidade intelectual para tanto, têm a capacidade de utilizar deste valor com liberdade e autonomia, sem a necessidade de tantos meandros.
O dinheiro público acaba sendo utilizado como dinheiro de ninguém. As formas de arrecadação, que surgem com finalidade determinada, em pouco tempo são desviadas para outros objetivos e, antes que possamos imaginar, são aplicadas em atividades independentes e alheias às necessidades de todos. De tudo, um pouco vai para propina, um tanto para os cargos comissionados e o restante pode servir para silenciar alguém que possa vir a denunciar uma atividade ilícita.
Assim, com as mãos no dinheiro público, os soberanos têm acesso a tudo que necessitam para manter sua soberania. Em 2008 teremos mais um período eletivo e já vemos o burburinho das alianças, partido sendo cooptado aqui, políticos profissionais sendo aliciados ali. Nesta luta, usa-se de todas as armas, se dinheiro não é o bastante e os argumentos são insuficientes, então apela-se para a moralidade, então aparece a antiquada chantagem. A idéia é reunir agregados formando uma matilha bem organizada ao redor de um único “macho alfa”.
Formada a matilha, vem a hora de distribuir favores e promessas de favores, tudo financiado pelos bons e velhos cofres públicos, para garantir o sucesso da manutenção ou alcance do poder. Neste espaço tudo pode ser vendido e comprado. Os aliados mais fortes podem ser conquistados com promessas de cargos futuros ou até mesmo instantâneos, se a soberania já existir. Os aliados mais estratégicos são comprados a dinheiro vivo, estes são também os mais inteligentes, não se iludem com promessas ou com cargos, mas têm a força que conquista as massas, são os populistas, aqueles que têm o “Charme do Show” e sabem falar alto quando o argumento é fraco. Por fim, temos os ignorantes do sistema, os outros 75% da população, que não cobram caro, basta uma boa história, uma dentadura, uns óculos e algumas cestas básicas, e tudo está definido.
Nesse tabuleiro vemos que o dinheiro público está sendo bem utilizado em algumas de suas finalidades, primeiro a arte de cooptar, depois nas estratégias de governabilidade, que garantem a manutenção do poder e, por fim, quando ainda existe algo em caixa, pode ser aplicado no “bem comum”.

PODER E AUTORIDADE



O poder é a forma mais contraditória da manifestação humana. Pelo poder somos capazes de tudo, fazemos e desfazemos, nos unimos e nos afastamos. E, como nos ensina Maquiavel, destruímos vidas em busca das glórias do poderio.
O Brasil nunca soube como lidar com as manifestações de poder. Desde o Império o poder esteve atrelado à pessoas, o poder nunca foi compartilhado democraticamente. Então, dificilmente recordamos a corrente ideológica que deu poder aos poderosos, mas lembramos do nome deles e definimos o poder como atuação deste ou daquele indivíduo. Por isso, os movimentos partidários pouco funcionam no Brasil, o foco não está no grupo mas na pessoa que assume um determinado cargo.
Somos imaturos em relação à administração do poder. A influência da cristandade obrigou-nos ao silêncio, fez-nos submissos e omissos. Submissos aos poderosos instituídos por nossos feitos e omissos diante das ações dos mesmos. A moral cristã apresenta o silêncio como dom, e a submissão como glória.
Com este processo, instaurou-se o poder autoritário, um poder de mando, onde o dono do cargo é intitulado de senhor. Este se cerca de capatazes e solicita que estes façam com que o povo obedeça cegamente suas ordens. Entretanto, o capataz tem um poderio limitado pelo poder do senhor, um passo a mais e este é decapitado. Bobo o capataz que enfrenta o seu senhor.
Este modelo de poder autoritário demonstra a imaturidade do povo, que anseia por reverenciar aquele que foi colocado acima. Assim, durante o Império, o imperador era reverenciado como um semi-deus; durante a República Rudimentar os Presidentes eram ovacionados. Depois, veio-nos uma ditadura militar, e tivemos nossos direitos tolhidos, fomos calados e os militares recebiam as glorias do povo estulto.
Hoje, damos os primeiros passos de uma democracia, mas continuamos acorrentados à moral do silêncio, presos ao medo e obedientes aos desmandos do poder. Pois, mesmo o tempo tendo passado, ainda somos tietes do poder.
O que não percebemos é que pagamos o preço por nossa tietagem. Enquanto silenciamos e parabenizamos os feitos do poder, perdemos a noção de que somos nós que conferimos o poder, que somos os responsáveis pela manutenção dos poderosos. Eles não são ignorantes de sua condição, sabem que dependem de nosso aval. Entretanto, nós somos ignorantes de nosso estado e somos incapazes de promover um controle social com qualidade.

Os donos do poder


Há tempo que não discutimos temas políticos neste espaço. Durante algumas edições viemos colocando questões referentes à educação. Esperamos que estas tenham atingido às classes de educadores, que eram nosso principal foco.
Entretanto, gostaria de retomar a discussão acerca da política e das relações de poder. Esta reflexão estará girando ao redor do poder constituído, da política e do estado.
Se observarmos os agentes que aparecem como senhores da história, perceberemos que todo representante do povo que ascende ao poder, em pouco tempo encarnam também o modelo de poderio, enquanto dominação e primazia.
A democracia representativa assumida pelo Brasil, não consegue chegar a sua maturidade pelo modo com que o poder é encarado. A República (Coisa Pública) é vista como espaço de ninguém. Assim, o pessoal é colocado acima do bem comum. E o que era do âmbito comum fica à disposição de quem está no poder e este, rapidamente, aprende a distribuir privilégios aos seus agregados e amigos, tendo em vista a sua manutenção na posição de mando.
Não vemos um governante sem agregados. Entretanto, privilégio nada tem a ver com competência. O modelo brasileiro de poder está ligado ao famoso “rabo preso”. A arte de subir ao poder é a mesma arte de “prender rabos” e deixar o “rabo preso”. Ou seja, o poder, neste modelo, não é livre, mas surge como espaço de defesa de interesses, seja do poderoso ou de seus apoiadores.
Como disse Renan, senador da coisa de ninguém, terceiro homem do país, “foi a democracia que me declarou inocente”. Realmente, o espaço público é o espaço de defesas de interesses pessoais, onde o povo, para nossos poderosos “é um mero detalhe”.
Será que numa democracia madura veríamos tantos casos de nepotismo, onde incompetentes assumem cargos simplesmente por estarem no círculo de amizades do tirano?
Cremos que o povo, mero detalhe nesse sistema, deveria começar a perceber que nem sempre aquele assume um cargo tem as competências necessárias para estar lá. Competência, aqui, não tem a ver com berço, ou com laços conjugais, mas com dedicação, empenho e capacidade intelectual. Se o bem comum fosse o objetivo de tais políticos, teríamos uma máquina enxuta, eficiente e sem tantos desatinos.
Mas isso é esperar muito. Crer que uma sociedade imatura possa gerar políticos honestos, que não façam da estrutura pública um espaço para artimanhas eleitoreiras e façam jus ao que representam, é esperar que uma utopia impossível se efetive. Para que o Brasil compreenda o que vem se apresentando é preciso que ele passe por uma reeducação. E como a revolução é necessária, que ela venha pela educação, que seja uma revolução de professores.

A utilidade da filosofia na educação


A Filosofia da Educação cumpre um papel fundamental dentro da escola, enquanto detentora do processo educativo. A filosofia da educação propõe um movimento de auto-reflexão, isto é, uma postura refletida da educação, onde a educação não de se desvincular da realidade, mas se propõe a buscar seus fundamentos na práxis.
Assim, a educação se auto-avalia e é avaliada a partir de uma filosofia da educação. Esta auto-avaliação pervade todos os espaços próprios do mundo educacional e apresenta sugestões à otimização da educação enquanto processo de tomada de consciência e transformador do mundo.
A filosofia instiga um olhar crítico, nesse caso o foco deste olhar é a educação. Quando a crítica da filosofia é avaliada pela educação, surge a possibilidade de construção de um projeto educativo com bases mais sólidas. Estas bases são dadas pelo confronto que filosofia propõe, atraindo a vida ordinária para a escola.
Quando são estreitados os laços entre a vida ordinária e a escola, irrompe a possibilidade da produção de um conhecimento válido e útil. Uma escola sem crítica e sem auto-avaliação tende a afastar-se da vida, com isso aparece a produção de um conhecimento obsoleto e sem sentido prático, ou seja, surge um conhecimento para ninguém, conhecimento que enche livros, mas que não transforma o mundo nem se abre para a conscientização.
Não queremos criticar o conhecimento produzido durante a história da educação, mas chamar a atenção para a preocupação conteudista da educação brasileira, onde não há o fortalecimento da conscientização, mas a reprodução de uma estrutura mercadológica e opressora.
A filosofia da educação, além de conduzir a educação para uma auto-reflexão, tem a função libertadora e dá à educação os meios necessários para seu fortalecimento e crescimento concreto, levando os educandos à autonomia, função evidente da educação.

A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO NA HISTÓRIA DO HOMEM

Todos concordam que a educação sempre esteve voltada aos interesses do homem. Ela sempre visa atender as exigências de uma determinada classe, ou de um determinado povo, num determinado período ou espaço de tempo. Na verdade, a educação não teria sentido se não estivesse voltada para a promoção do homem. Uma visão histórica da educação mostra como esta esteve sempre preocupada em formar determinado tipo de homem. Os tipos variam de acordo com as diferentes exigências das diferentes épocas. Mas a preocupação com o homem, é uma constante.
Do ponto de vista da educação, promover o homem significa torná-lo cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação para intervir nela, transformando-a no sentido de uma ampliação da liberdade, da comunicação e colaboração entre os homens. Toda educação verdadeira é auto-educação, cujo fim é permitir ao homem o auto-encontro, dando a ele o direito de reger o próprio destino, de torná-lo capaz de ser seu artífice como os deuses são os obreiros do mundo que nos cerca.
Considerando que a educação sempre tem como objetivo principal promover o desenvolvimento do próprio homem, são as suas necessidades reais que vão delimitar ou demarcar a ação que a educação exercerá sobre determinado grupo ou nação. Portanto, a finalidade primeira e primordial da educação é suprir os interesses e as necessidades do próprio homem, no período da existência do mesmo.
A educação tem como princípio básico tornar o homem um ser totalmente culto no sentido erudito da palavra. Dessa forma, podemos entender educação como sendo sinônimo de cultura, ou seja; a transformação que o homem opera sobre o meio e os resultados dessa transformação. A finalidade da educação é o desenvolvimento, e a finalidade do desenvolvimento é maior desenvolvimento.
Então, devemos considerar que a educação não tem fim em si mesma, mas objetivos que são transformados em meios. É possível então deduzir, ou melhor, perceber que a educação não está voltada para si mesma, mas, busca da melhor forma possível, acompanhar o processo evolutivo do ser humano, sempre o direcionado ao seu próprio desenvolvimento.
A educação sugere que o homem, sendo um ser em constante processo de mudança, assim inacabado, é sempre objeto da mesma. Esta reflexão põe em “Xeque” a idéia tradicional de educação, como uma determinada fase na vida do ser humano. Surge então o conceito de educação como essência da existência humana. A educação, no sentido amplo, não se limita à sala de aula. Mas, faz parte do complexo processo de socialização, que transforma o ser humano num ser social, capaz de participar da vida de uma sociedade, e continua enquanto lhe for preciso aprender a adaptar-se a novas circunstâncias e a desempenhar novos papéis.
Assim, cabe frisar que reconhecer a importância da educação na existência da humanidade é dar valor àquilo que consideramos como nossa própria descendência cultural. Com efeito, preocupar-se com a educação significa preocupar-se com nossa própria história, tendo como foco o desenvolvimento do homem integral.

EDUCAÇÃO: O VALOR MÁXIMO DO SER HUMANO

Se quisermos realmente descobrir e compreender o valor essencial da humanidade, precisamos primeiro descobrir e analisar a origem e a prática educacional que foi sendo cultivada e transmitida de geração em geração.
É a partir da educação, da formação e da cultura, enfim, do modelo de vida de um povo, que se torna possível compreender a história, onde a educação e o homem sempre estiveram trilhando passos conjuntos. Neste sentido, percebemos que não apenas o valor, mas toda a concepção que temos de homem, só é possível porque possuímos em nossa essência o princípio da educação.
A educação está envolvida em tudo que diz respeito ou refere-se a nossa vida, desde as condições de nossa inserção no mundo material, no mundo social e cultural, até a inserção no mundo de nossos sentimentos e emoções. Em tudo a educação é referência.
O homem é um ser essencialmente histórico, político, social e cultural. Por isso, a educação não pode ser isolada dessa realidade. Ela faz parte de todo o círculo que envolve a natureza humana, assim não deve ser vista simplesmente como uma disciplina curricular. Pelo contrário, educação é justamente um processo contínuo de formação e inculturação. Muito diferente de ser uma fase ou etapa que termina com o ingresso do homem na fase adulta ou no trabalho, ela acompanha o destino do ser humano em todas as idades, até seu fim último.
A educação deve acompanhar e formar o homem em sua totalidade, de modo que ele esteja à altura das funções que lhe incumbem nesta vida, e até mesmo prepará-lo para a morte.
Através do princípio da educação, o homem impulsiona o conhecimento e a descoberta do outro. É o caminho do homem consigo mesmo e com a história que ele mesmo constrói. Portanto, a educação é o foco central da descoberta e investigação da história humana, enquanto busca pela essência e valor do ser humano.
A educação deve ser observada como manifestação histórica da cultura que herdamos ao longo de todo o processo e que foi passando de geração em geração. Ela é, acima de tudo, o meio pelo qual o povo recria perpetuamente as condições da própria existência, transmitindo firmemente suas crenças, valores e habilidades. Neste sentido, vale lembrar que a educação não se reduz à mera transmissão de saberes; mas ela faz parte da dinâmica de construção cooperativa do homem. Portanto, educação entendida nesta ótica seria reconduzir o ser humano para que ele se descubra como valor-fonte de toda experiência possível. Educar é mostrar que a semente do conhecimento está dentro de cada indivíduo, e só depende dele para produzir frutos.
Neste processo de reconhecimento sobre o papel da educação, podemos afirmar que a mesma serviu desde o início da humanidade como farol, fazendo com que os valores se agregassem às novas conquistas, renovando-se continuamente.
O sentido primordial da educação está reservado aos seres humanos, pois a educabilidade é uma dimensão que caracteriza o homem. É um compromisso humano. Poder-se-ia dizer que é o mais humano e mais humanizado de todos. O homem vai transformando-se em homem pela aprendizagem que vai adquirindo.
A educação é central na história do homem e é a partir dela que o indivíduo vai se desenvolvendo e tornando-se numa pessoa socialmente reconhecida e aceita dentro de um determinado grupo.

Educação: Um conceito

Toda vez que falamos ou ouvimos falar sobre educação, geralmente temos a tendência de reduzi-la a um período, que normalmente fica situado entre os anos de estudo vividos por uma determinada pessoa. Com isso, fica claro que nossa intenção é sempre relacionar educação com estudo. Porém, seria esta uma interpretação correta, com um significado todo próprio e lógico? Ou não estaria ocorrendo uma tentativa de transformar todo um processo natural e gradual, num simples limite específico (espaço físico), que poderíamos denominar sala de aula?
Sabemos que os estudos acadêmicos fazem parte do processo de educação do ser humano. No entanto, é equivocado afirmar e limitar educação à etapa de estudo. Além do que, educação é muito mais do que um período, que uma etapa, que uma tarefa, ou ainda que uma fase. Educação o processo em que o humano vai buscando trilhar o caminho do amadurecimento integral. Este processo não é momentâneo ou passageiro, mas sim uma dinâmica que precisa ser buscada e vivida durante toda a existência.
Esta interpretação parece, em primeira instância, um tanto superficial, sem muito fundamento. Enfim, com um significado distante e irreal daquilo que é “normal” escutarmos cotidianamente. Destarte, precisamos deixar de lado a intenção de querer sempre simplificar concepções, para que as mesmas se tornem mais acessíveis à nossa compreensão. É justamente por isso que, muitas vezes, não damos tanto valor às coisas importantes, neste caso, à educação, contribuindo assim, para que a mesma vá perdendo seu brilho e seu valor originário. Não podemos deixar que todo um processo existencial do ser humano se encaixe dentro de uma concepção simplista que formulamos.
Educação é passar de uma mentalidade ou de um senso comum a uma consciência. Significa sair de uma concepção fragmentária, incoerente, desarticulada, implícita, degradada, mecânica, passiva e simplista, para assumir uma concepção unitária, coerente, articulada, explícita, original, intencional, ativa e cultivada.
De tudo o que foi dito, conclui-se que a passagem do senso comum à uma consciência é condição necessária para situar a educação dentro de seu significado primordial. Preocupar-se com a elevação do nível de consciência de todo um povo, de toda uma nação, é reconhecer na educação o sentido e o valor de nossa existência.
A filosofia da “práxis” (costumes) não quer maternos na consciência primitiva do senso comum, mas busca, ao contrário, conduzir-nos a uma concepção de vida superior. Da mesma forma, deveria nossa consciência ser trabalhada para que o sentido da educação fosse sempre mantido, ou melhor, visto como a essência que move nossa consciência.
A educação nos vem de três princípios básicos: a natureza, o homem, e as coisas. Assim, o desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos é a educação da natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos homens; e a adquirida dos objetos que nos impressionam, por experiência própria, é a educação das coisas.Por isso, educação não é somente uma atividade é, acima de tudo, a construção de um saber que ultrapassa o sentido escolar e se torna uma construção permanente na vida do ser humano.

Estagnação na Educação

A reforma educacional proposta pela LDB 9394/96 foi marcante para o crescimento e organização da educação no Brasil. Entretanto, dando continuidade ao texto anterior, ela firmou três pontos que mantiveram a estagnação, deixando sua compreensão dual, não esclarecendo os objetivos principais do sistema educacional Brasileiro.
Destacamos a falta de clareza e definição na utilização dos termos educação e ensino, a não revisão da estrutura Universitária e a falta de uma proposta para a educação à distância.
Ou seja, a própria organização definida pela LDB não conseguiu apresentar uma solução para a dificuldade que surge quando tentamos entender educação como formação qualitativa humana. Assim, a LDB mantém um foco na compreensão tecnicista, compreendendo a escola como espaço de formação técnica e não de formação para habilidades e competências. Quando tratada como ensino, a escola tem a função de adestrar, de formar pessoas para cumprir objetivos localizados, ou seja, forma-se para fazer isto ou aquilo. Se a escola fosse entendida como espaço de formação educativa, onde o mestre somente conduz o aluno para o pensamento autônomo, teríamos a formação para integralidade, isto é, a formação do humano como um todo.
Esta mesma lei forçou a manutenção da Universidade Brasileira com sua estrutura arcaica de aulas expositivas. O que nos difere das organizações institucionais de primeiro mundo, onde o foco do ensino superior está na pesquisa acadêmica, de maneira que a aula vai se tornando um artifício obsoleto para o conhecimento. No Brasil as estruturas supervalorizam as aulas, onde o professor traz para os alunos o conteúdo esmiuçado e detalhando, não favorecendo o estudo pessoal nem a pesquisa científica. Assim, os acadêmicos brasileiros têm certa morbidez, não se empenham tanto, nem valorizam o estudo individual. Este modelo está formando profissionais medíocres e sem iniciativa, que mantém uma estrutura circular, onde o ensino superior se identifica mais com um pós-médio do que com uma graduação.
A educação à distância é uma outra realidade que não foi prevista pela legislação, assim permanece pouco definida no Brasil. Falta-nos uma estrutura legal que reja este processo. Neste aspecto vivemos um tempo de transição, onde surgem diversos cursos no modelo de educação à distância, desenvolvidos pela internet ou por tele-aulas, mas ainda não existe uma definição prática para a aplicação do método.
O Brasil tem um sistema escolar modelo, entretanto falta rever pequenos pontos, talvez não sejam os mais importantes, mas que se fossem analisados poderíamos contar no futuro com profissionais mais competentes e autônomos.

Avanços na Educação

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 9394/96, trouxe avanço para a organização educacional brasileira. Os principais pontos de avanço foram a maleabilidade no ensino fundamental a constante avaliação e o permanente aperfeiçoamento dos professores.
Os criadores desta lei entenderam que o importante para as crianças é a aprendizagem, não a formalidade metodológica. Assim, não se prenderam a determinar e definir normas rígidas para o ensino fundamental, mas tentaram propor condições reais de aprendizagem, de modo que o aluno tivesse possibilidade de aprender de acordo com a sua realidade local. Assim, a LDB deu espaço para a criatividade, apresentou uma medida metodológica mínima necessária para a educação, sem perder de vista o objetivo principal. Entretanto, nem sempre a instituição se permite à criatividade, assim, mesmo a lei permitindo, os núcleos de educação tiveram dificuldade em se abrir para a renovação e até, a partir de uma interpretação conservadora da lei, contribuíram para o engessamento da educação.
A organização da educação, se em ciclos ou em séries, não era o principal. O importante, para esta lei, era que a aprendizagem apresentasse frutos reais. Por isso, para o sucesso deste processo a lei propõe a avaliação sistemática bem organizada, de modo que a educação como “um todo” pudesse ser acompanhada e seus resultados fossem claramente mensurados.
A avaliação não deve ter o caráter punitivo, deve somente mensurar a aprendizagem, servindo somente de base para uma reflexão. Avaliar, neste contexto, não tem finalidade em si, sua função é perceptiva, por ela o professor tateia a aprendizagem dos alunos e percebe onde é necessário melhorar. Assim, o sistema avaliativo surge como possibilidade onde o professor recebe feedback de seu trabalho. Hoje, detectamos a dificuldade na aplicação deste sistema devido à falta de preparo dos professores, que se mantiveram viciados na estrutura antiga, onde a avaliação tem uma função positivista que segrega os alunos entre melhores e piores, definindo-os a partir de valores números. A fusão entre os professores mal preparados e a novidade da LDB gerou um caos no ensino fundamental, assim alguns alunos chegam ao quarto ano de estudo sem estarem devidamente alfabetizados.
Mas a proposta da LDB previa a preparação dos professores. A formação constante e a contínua retomada do estudo pretendiam dar ao professor os subsídios necessários para o trabalho. Somente professores devidamente preparados são capazes de colocar em prática as propostas da educação brasileira. Mas esta preparação não deve se prender à mera instrução intelectual, como ocorre hoje, é necessário que o professor seja uma pessoa integra de fato e que tenha suas questões bem resolvidas. Assim, ele necessita que o estado lhe proporcione a formação constante e a remuneração justa.

Hanseníase e Franciscanismo


“O Senhor assim deu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: porque, como estava em pecados, parecia-me por demais amargo ver os leprosos. E o próprio Senhor me levou para o meio deles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo converteu-se para mim em doçura da alma e do corpo; e depois parei um pouco e saí do século”[1].

Todo o processo vital de Francisco se dá a partir do momento em que o Senhor o coloca diante da lepra. Não outra pessoa, nem outro homem, nem outra coisa que o próprio Senhor. Ou seja, o Deus de Francisco o leva a deparar-se com a doença e neste momento encerra-se graciosamente o processo de conversão e Frei Francisco vê toda a dor se tornar luz.
Francisco diz que o fato de viver em pecado fazia com que visse nos leprosos o amargo, o difícil, o azedo. Para o medieval o amargor tem a ver com tudo quanto há de ruim, quanto há difícil. O pecado consiste em não amar tudo aquilo que os olhos tocam, ou seja, o pecado consiste em não amar o amor. Então os primeiros encontros de Francisco com os leprosos são cheios de dor e sofrimento, pois Francisco ainda não tinha aprendido a lição vital do amor, isto é, a lição do próprio Deus, “porque, como estava em pecados, parecia-me por demais amargo ver os leprosos”.
Quando Francisco entende o chamamento de Deus para o amor, ele compreende que não há impureza nos leprosos, que não há maldade neles e compreende que “Tudo é puro, aos olhos dos puros”. Essa pureza no olhar, no fitar, dá para Francisco a abertura para amar tudo o que seus olhos tocam. Seus primeiros amados passam a ser os leprosos. O pecado não está nos leprosos, mas em quem vê os leprosos, na atitude julgadora e restritiva imposta pela sociedade. Francisco percebe a farsa da sociedade, suas mazelas e suas falsidades, suas mentiras e interesses. Por isso, ele decide ir ao fundo, ele realmente decide amar tudo o que os olhos tocam.



“E o próprio Senhor me levou para o meio deles”

O próprio Deus o encaminha para o meio dos leprosos. Francisco não vai lá para apresentar seus títulos de nobreza e o poder financeiro do pai. Ele vai lá para viver entre os leprosos, ele vai até lá para entregar-se aos mortos da sociedade, ele vai lá para morrer com a morte conferida aos leprosos. Francisco não vai ensinar nada, ele vai simplesmente para ser um deles, para se tornar um deles. Francisco se faz leproso com o leproso.

Os Leprosos na Idade Média

Os medievais convivem com a lepra por muitos séculos, os historiadores discutem a proveniência desta doença, mas ninguém sabe ao certo de onde ela havia surgido. Como era difícil um diagnóstico, ela era confundida com doenças de pele e venéreas. Assim, o afastamento dos leprosos era visto como a possibilidade de afugentar o símbolo vivo do pecado, da lascívia e da promiscuidade. A lera era a marca do pecado, a pele apresentava a alma corrida pelo erro.
A identificação era feita por meio de denúncia, lembremo-nos que o leproso era o mais vil dos pecadores, todos tinham o dever de denunciar quem apresentasse uma mancha na pele, para que o tribunal fosse instaurado. Então, o doente era colocado diante de um júri composto por um médico, um representante do estado e um padre. Assim, Ciência, Estado e Igreja, examinavam minuciosamente a pele do indivíduo. Então haviam muitos métodos de diagnosticar a doença, “Um deles afirmava que se pusesse uma pessoa ao luar, de forma que os raios lhe batessem na face, o leproso ficaria marcado por diversas cores, enquanto que o homem saudável pareceria pálido. Um outro dizia que se espalhasse cinzas de chumbo queimado na urina de um leproso, elas ficariam a boiar, enquanto, normalmente, cairiam no fundo do recipiente.”
Com estes exames muita gente era considerada leprosa. Após o julgamento o leproso devia se afastar do convívio social, era muito vergonhoso ter parentes leprosos, a distância deles mantinha a pureza do homem. Com este fim, era realizada a última cerimônia da vida do leproso, era o último momento público dele. O doente era levado em procissão até uma igreja ao canto do “Liberta-me”, do espaço montado para ele, um espaço que o mantinha distante dos demais, assistia sua cerimônia exequial (cerimônia dos defuntos). O Ritual previa o seguinte: "o padre deve ter uma pele (luva) na mão e com essa pele deve pegar terra do cemitério, três vezes, e pô-la na testa do leprosos, dizendo o seguinte: Meu amigo, é sinal de que estás morto para o mundo e por isso tem paciência e louva em tudo a Deus."[2]
Após isso o Padre abençoava os sinos, as luvas e a caixa de esmolas que o leproso deveria carregar para que assim fossem reconhecidos pela sociedade. Então, o padre lia a lista de proibições, onde o leproso estava proibido de tocar os alimentos, de entrar nos moinhos, etc. Depois desta macabra cerimônia, os leprosos eram banidos e iam vivem em leprosarias. [3]

“E tive misericórdia com eles”

Nas palavras de Francisco ele não diz que teve pena ou dó dos leprosos, ele diz que teve “Misericórdia com eles”. Misericórdia é uma atitude medieval de entrega e amor. Misericórdia vem de duas palavras latinas miser + cordis, que significa coração simples, coração puro. Francisco vai para aprender com os leprosos a pureza de coração. São os leprosos que ensinam Francisco a ter nas mãos o coração e com o coração simples amar o amor. A lepra é a escola humana de Francisco. Francisco deixa sua riqueza, seus bens, a rica sociedade medieval e vai viver entre os mortos. O mortos mostram a Francisco o dom do amor, o dom da misericórdia.
Lá no meio da fedentina, das feridas, das chagas, Francisco se encontra nu diante do Cristo nu. Francisco encontra o Cristo pobre entre os pobres, diferente do Cristo apresentado pela Igreja da Época que era um Cristo rico, luxuoso e guerreiro. Irrompe no seio da Idade Média um homem que vem resgatar o amor, resgatar os valores do humano.
Ter misericórdia com eles mostra que Francisco assumiu até o fim seu amor pela lepra e em amar se deixou ser amado, assim envolveu-se num esponsal de amor. Decidindo casar-se com a pobreza dos leprosos, com as dores deles. Francisco desposa a Senhora Dama Pobreza. Ele encontra entre os leprosos um valor que a sociedade via como desvalor, ele descobre que o causador de tanto sofrimento é o dinheiro e percebe que pode viver, como os leprosos, muito bem com pouco ou até sem dinheiro. Francisco aprende dos leprosos o amor à Dama Pobreza.

“Aquilo que me parecia amargo converteu-se para mim em doçura da alma e do corpo.”

O leproso faz com que Frei Francisco mude a chave de leitura, a dor da pobreza se torna graça, benção. Tudo que parecia ser dolorido, amargo e difícil se torna doce e saboroso. O leproso continua no seu caminho, porém muda em Francisco o modo de olhar, muda nele a possibilidade de ver. Ele passa a amar tudo que os olhos tocam. Assim, o mal cheiro, as doenças, as dificuldades dos leprosos não são mais insuportáveis, não são mais amargas, são somente possibilidade de crescimento, são possibilidade de amar, são possibilidade de desenvolvimento.

“E depois parei um pouco e saí do século”

Este encontro faz com que ele mude de vida, com que ele assuma um novo caminho, um novo mundo se abre. Francisco se apresenta como novo homem, pois quem aprendeu a amar o amor, quem aprendeu a amar tudo que os olhos tocam, aprendeu que na vida o importante é a simplicidade de coração. Assim, para quem descobre que tudo é puro para quem tem olhos puros, não há volta, o mundo tem um novo colorido, as pessoas, as cores, os homens, os animais, as florestas, tudo é repleto de sentido e significado.





O PROJETO: FRANCISCANOS PELA ELIMINAÇÃO DA HANSENÍASE

O projeto de eliminação da hanseníase no Brasil não é propriamente dos franciscanos, mas queremos somar nossas forças para colaborar com o Governo e com outras entidades, que já estão trabalhando nesta área há muito tempo. Na verdade, esta motivação já vem desde o tempo de nosso fundador, São Francisco de Assis, no encontro que teve com os leprosos que o levou à superação de si diante das mazelas do mundo.
Além disso, o Brasil é o segundo país do mundo em casos de hanseníase, uma doença que existe desde os tempos bíblicos, uma doença que tem cura. E que de acordo com material divulgado na imprensa, a Brasil, numa questão percentual, é o país com maior incidência de casos em todo mundo.[4]
Assim, um sonho brota no seio dos franciscanos, a eliminação da hanseníase como um presente à humanidade. Como uma atitude reverente para que o sofredor deixe de sofrer, para que a morte se torne vida e vida plena. Portanto, este projeto leva os franciscanos ao centro do carisma de seu fundador, faz com que eles encontrem, como fizera Francisco, a doçura da cura no amargor da doença.

[1] Testamento de São Francisco de Assis.
[2] Cf. LE GOFF, Jacques. As doenças têm História. Lisboa: Terramar, 1996.
[3] Cf. RICHARDS, Jeffrey. Sexo, Desvio e Danação. As Minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. & Cf. GINZBURG, Carlo. História Noturna: Decifrando o Sabá. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
[4] Cf. KOENIG, Augusto. Franciscanos pela erradicação da hanseníase. Disponível em: http://www.franciscanos.org.br. Acessado em: 29/05/2006.

DAR UM TEMPO




No modelo moderno de amor, vemos no decorrer do relacionamento muitas pessoas pedindo um tempo. O corre-corre diário nos encaminha por inúmeras atividades, somos tomados por diversos afazeres e não temos tempo para refletir sobre nossas relações pessoais. O “dar um tempo” é a parada para um tempo interno, é a necessidade de parar para compreender o que ocorre no intimo do indivíduo.
Na vida a dois “pedir um tempo” aparece como momento de crise salutar. Quando ouvimos a famosa frase: “vamos dar um tempo”, sentimos que há alguma coisa que precisa ser avaliada, novamente assimilada e compreendida. Ninguém que ama pede um tempo simplesmente por pedir, pede-se na tentativa de compreender melhor. As crises do relacionamento aparecem quando as divergências entre os dois começam a se tornar desconfortáveis. Este incômodo pode ir crescendo e de repente aparecer como dificuldade ou até mesmo impossibilidade de manter o relacionamento. Daí a necessidade de sair um pouco do turbilhão, aguardar que a poeira baixe, e de fora analisar todo o relacionamento.
“Dar um tempo” não é sinônimo de fim de um amor, mas de insistência de uma crise. Toda crise tem um papel purificador. Quando uma crise aparece é preciso se dedicar à crise, não fugir dela. A palavra “crise” vem de acrisolar, purificar, depurar, limpar. Crise diz a ação do crisol, isto é, a ação de limpeza do metal impuro por meio do fogo. No crisol, ouro é colocado em alta temperatura, quando está derretendo todas as impurezas vão saindo como faíscas, até que, depois de muito calor e tempo, aparece o ouro puro, de brilho inigualável. Purificação necessita de tempo e calor.
Quando aparece a crise, temos a tendência de fugir dela, de não nos permitir a purificação que o calor proporciona, pois toda purificação se apresenta como dor e, às vezes, como sofrimento. No relacionamento a dois, não tentamos entender o que se passa, mas simplesmente fugimos da crise. Uns separam, pois querendo evitar as desavenças, permanecem com as mesmas impurezas, estas gerarão em outros relacionamentos outras crises e outras rupturas. Outros buscam um conforto afetivo imediato, assim que terminam a discussão tentam reverter a situação. Não encarando as dificuldades reassumem o mesmo papel anterior. Como se ao colocar o ouro no fogo, sobreviesse o medo de perder o ouro junto com as impurezas, e este medo conduzisse a desistência da purificação. Ou seja, temos a tendência intrínseca de não encarar a crise, ou de fugir dela.
“Dar um tempo” é um convite à crise, é um convite à purificação. Daí a importância de se dedicar ao tempo proposto. O resultado da crise aparecerá como no acrisolamento do ouro, depois muito de calor e tempo aparecerá limpidamente, como o ouro puro, a compreensão do relacionamento. Para descobrir o que realmente é, entender o outro e descobrir se juntos podem construir a vida, é necessário a purificação, a dedicação somente à crise, portanto é preciso manter-se fiel a ela. E quando menos se espera aparece o relacionamento purificado, como o reluzir do ouro puro.

A VIDA VENCEU A MORTE



O centro da fé cristã está na crença da ressurreição. Cristo ressuscitou dos mortos! A ressurreição é o ponto de partida para o desenvolvimento das comunidades cristãs. É também o fato que faz com que toda a proposta de Cristo seja assimilada.
Para compreender a ressurreição é preciso entender a eucaristia. Somente quando compreendemos a eucaristia como refeição entendemos o segredo escondido na mensagem de Cristo, que foi revelado como ressurreição.
Após a ressurreição, Cristo se apresenta aos discípulos nos momentos em que eles estavam reunidos. Ou seja, é na reunião dos amigos, quando todos discutem acerca dos fatos ocorridos e, ali na unidade, repartem o pão, que Cristo se revela como ressuscitado.
Daí a importância de vivermos a eucaristia não como rito inócuo, mas como convivência na plenitude. Isto é, como refeição. Cristo não se faz somente pão, ele se faz refeição para ser compartilhada, Ele é o pão repartido, o pão feito pedaços.
Com a ritualização da eucaristia, fomos perdendo a compreensão de refeição e assumimos uma postura supersticiosa e mágica. Entretanto, não percebemos nas coisas simples a realidade eucarística. Não percebemos a eucaristia da família entorno à mesa, a eucaristia dos pobres que repartem o pão recebido como esmola. A proposta eucarística é simples. Na passagem dos discípulos de Emaús entendemos como isso ocorre. Cristo se revela na mesa, não quando come o pão (compreensão atual), mas quando reparte o pão (entendemos, assim, a importância da diaconia na Igreja Primitiva).
Entretanto, após sua morte, Cristo é reconhecido no partir do pão. É depois de sua ausência que sua presença se torna latente. Podemos experimentar este fenômeno quando perdemos um ente querido. A partir do momento em que ele se vai, sentimos constantemente sua presença, como se estivesse sempre conosco.
O ideal de Cristo, após a sua morte, começa a se espalhar pelos quatro cantos do mundo. A morte/ressurreição, serviu de mola propulsora para as idéias Dele. Esta presença ausente permitiu também a riqueza das diversas interpretações que foram sendo dadas ao fato de morte/ressurreição.
Cada evangelho mostra de um modo diferente este fato, mas somente João mostra as nuanças diferentes da compreensão da ressurreição. João mostra três modos de encontro com o ressuscitado. O primeiro é o de Maria Madalena, que vai até o túmulo, não entende nada e diz que roubaram o corpo do mestre. O segundo é o de Pedro, que vai até o túmulo, estuda, vê os panos dobrados e ainda não entende o que está acontecendo. Mas somente o discípulo amado vê e crê.
Assim se dá conosco hoje, alguns ao ler isto agem como Madalena, não entendem nada e partem para um julgamento. Outros como Pedro, estudam, tentam entender, mas não conseguem ver claramente. Mas somente os dotados de sabedoria, como João são capazes de realmente ver... Como dizia Jesus: “quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça!” E aqui dizemos como o anjo: “Por que procuram entre os mortos aquele que vive?”

Bento XVI – “Odres novos e vinho velho”



“Não se põe vinho velho em odres novos; do contrário, rompem-se os odres, derrama-se o vinho, e os odres se perdem. Mas põe-se vinho novo em odres novos, e ambos se conservam” (MT 9,17).
Admira-nos a inteligência de Cristo. há dois mil anos já mostrava o problema que existe em tentar colocar algo do passado numa cultura futura. Ou seja, não é possível impor um pensamento arcaico para uma cultura moderna. De modo contrastante vemos a pressão da Igreja em forçar um retrocesso. Agora, o Papa Bento XVI lançou a Exortação Apostólica “Sacramentum Caritatis”, onde vem reafirmar o retrocesso do catolicismo. Tememos que todos os esforços do Concílio Vaticano II tenham sido em vão. Pois o “aggiornamento” proposto na época, com tentativa de oferecer “vinho novo para os odres novos”, faz um caminho de fechamento e retorno, corremos o risco de perder os odres e o vinho.
Além da “Sacramentum Caritatis” falar que o segundo casamento é uma “praga/chaga”, ela propõe o retorno da utilização do latim nas liturgias. Ou seja, a Igreja deu um grande passo à frente e agora, a cada novo dia, dá dois para trás. No documento anterior, o “Deus Caritas est”, o Papa já falou sobre o amor, teceu vários comentários sobre as várias formas de amar, mas também mostrou sua força conservadora quando se pronunciou sobre a atividade social desenvolvida pelos cristãos: “eles não se devem inspirar nas ideologias do melhoramento do mundo”. Isto é, para ele a ação social cristã não tem compromisso com o progresso da vida social, mas com a manutenção das classes pelo assistencialismo paternalista.
A igreja precisa ouvir seu fundador: “Vinho novo para odres novos”! Ela está fazendo uma opção clara pela manutenção dogmática de um poder moralizante que busca a reconstrução das instituições. Com este documento a igreja pretende reafirmar seu poderio moral, mesmo que para seus poucos fieis remanescentes.
O segundo casamento foi o ponto do “Sacramentum Caritatis” mais debatido na mídia. A questão do divórcio ainda é discutida pela Igreja Romana como tabu, mesmo sendo uma prática aceita durante antiguidade cristã e mantida até hoje pela ortodoxia católica.
Nos chama a atenção que esta postura gera um acelerado retrocesso. A grande proposta de uma igreja no mundo e para o mundo, defendida pelo Vaticano II, perde sua força. Entra em cena a proposta de uma igreja institucional e conservadora, girando sobre seu próprio eixo, não em função do mundo, mas de si.
Nesta postura, nos entristeceu o caso do teólogo Jon Sobrinho. Mais um grande pensador latino-americano caçado. O interessante é que ele foi caçado por ser criativo e renovador, por tentar “colocar vinho novo em odres novos”. Jon foi condenado por apresentar a humanidade de Cristo. o fato é que este teólogo não caiu em heresia, conseguiu fugir do docetismo (que defende Cristo como somente Deus) sem cair numa compreensão cristológica material. Conseguiu sim mostrar o Cristo encarnado, simples, pobre e maltrapilho, ou seja, um Cristo com o rosto Latino-americano.
De certo modo, a arcaica Roma Eterna não conseguiu perceber a “divindade na humanidade”, ela precisa ouvir seu fundador e aprender a colocar o “vinho novo em odres novos”. Pois só assim poderá reconhecer a ação dele nos meandros da história da humanidade.

A VIOLÊNCIA



Existe no humano resquícios de violência. Somos constantemente violentos em nossas ações e reações. O que é uma marca da animalidade, se apresenta em nós como reação humana. A violência é uma obra da irracionalidade, seja para conseguir o que se quer ou para manter uma determinada ordem.
Nas duas situações a violência aponta para um modelo humano precário e vazio. Violência tem a ver com violação. Quando alguém é acometido pela violência percebe-se violado em sua humanidade. Por todos os lados percebemos as atitudes de violência seja na família, no trabalho ou na vida macro-social.
É comum na família tradicional o uso da animalidade para a educação dos filhos. A isso chamam de formação e educação, mas que irromperá como deformação do humano, gerando um outro ser violento. Da mesma forma que “gentileza gera gentileza”, “a violência gera violência”. Esta violência gera o medo e isto mantém tudo como queremos. Entretanto, formamos um humano violento incorrendo num ciclo repetitivo para o futuro.
No trabalho a violência aparece como competição. Quem não experimentou uma chefia incompetente. Aquele modelo de chefe que não sabe o que faz, mas que sabe muito bem manter uma ordem por meio de intervenções. Este tipo de chefia tem atitudes egóicas e vaidosas, este se mantém no poder por mecanismos ocultos ou pela manipulação salarial.
A violência mais visível e em crescente desenvolvimento chamamos de violência macro-social. Não são poucas as notícias de ações e reações de violência. Em todos os tempos a violência foi usada para a manutenção ou o domínio do poder. Na antiguidade tínhamos as guerras de expansão, recordamos o Império Romano. Na Idade Média o Tribunal da Santa Inquisição mantinha a organização vigente. Hoje, vivemos duas violências. A violência diária, decorrente das necessidades sociais (o que sempre existiu – lembramos a lenda de Robin Hood), onde aqueles que por algum motivo não possuíam algo retiravam violentamente de quem possuía. Esta violência diária acontece de modo local e bem situado, aparece no dia-a-dia. A outra violência, que incorre e suscita maiores preocupações é a violenta paz armada. Paises se armando e se preparando para uma guerra que tem em vistas a proteção de suas riquezas. As armas de uns geram medo nos outros, lançando ambos a uma falsa paz. Trata-se de uma violência de grande expressão, trata-se de uma macro-violência.Agora, o que devemos esperar de um mundo violento? Estamos num momento de passagem, onde o planeta já não suporta mais a existência humana. A sobrevivência da humanidade depende unicamente do modo com que o planeta for cuidado a partir de agora. Se nos relacionarmos com a terra na mesma relação de violência que temos uns com os outros, certamente seremos varridos deste local. A violência é utilizada pelos animais para garantir a sobrevivência. Da mesma forma o planeta utilizara dela pra garantir sua continuidade.

Hipocrisia



Nestes dias ouvimos na mídia várias vezes a palavra hipocrisia, mas não nos atinamos ao sentido real desta palavra. Se dermos uma olhadela nos termos gregos, nos depararemos com dois princípios que se unem e formam em português o que ora chamamos de hipocrisia. A primeira vista temos o termo “hipo” que significa abaixo de, em nossa língua dúzias de palavras têm este radical. Lembramos aqui a hipo-termia (temperatura abaixo do normal). O outro radical nos chama mais a atenção e é o “crisis”, que em português originou a palavra crise, mas que no grego está ligado à purificação, julgamento, acrisolamento.
O hipócrita é aquele que se coloca abaixo de qualquer julgamento. Como se ele estivesse fora daquilo que ele defende. Isto é, o hipócrita defende um sistema, mas não vive de acordo com o sistema que prega e defende. Hipocrisia é fechar os olhos para não ver, sabendo que a coisa está aí.
Quando, durante seu discurso sobre HIV/Aids, Lula falou sobre o preservativo, chamou a atenção para a hipocrisia que envolve o assunto em todos os setores que defendem os tabus da sexualidade, de modo especial a família tradicional e a Igreja.
A hipocrisia está acentada no seio de toda instituição. Pois, por questão de sobrevivência, o institucionalizado tem divergências nas aplicações de seus conceitos. De um modo mais plástico, há uma distância abissal entre a teoria e a prática, entre a proposta e a vida, entre o ideal e o real. Ou seja, somos hipócritas na medida em que dizemos uma coisa e fazemos outra.
Neste grande contexto, os não hipócritas se congregam em dois grupos, ou são a classe não-existente que é capaz de nunca se entregar a seus instintos mais básicos, ou, um grupo real, que não se deixa guiar ou não quer viver regido pelos valores de moral ou da virtude. Então, não hipócritas se dividem em dois grupos, um grupo inexistente e outro considerado “baixo”, mas que aqui consideramos autêntico.
A classe mais nobre da sociedade é constituída por hipócritas, pois é a classe que mantém hipocritamente a ordem e faz com que a sociedade tenha uma direção, mesmo que falsa, "a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”. O homem sociável é por natureza um ser hipócrita. O homem não hipócrita está relegado à exclusão ou à morte social, por destoar do modelo pré-padronizado que mantém a ordem social. Ser hipócrita é, de certo modo, se manter bem onde se está, garantindo a estabilidade conveniente à existência no mundo. A não hipocrisia consiste em se libertar dos elementos de moral que dominam a vida cotidiana, portanto se colocar num mundo paralelo, criando uma outra realidade, regida por leis diferentes as adequadas àquele padrão.

ONG’S A SERVIÇO SISTEMA


Nos últimos anos, observamos o surgimento e expansão de diversas ong’s, grande parte com um objetivo claro: “lutar por direitos”. Surgiu ong para tudo, desde o cuidado com a preservação do meio ambiente até a defesa da cidadania. Um vasto espectro de organizações assumiu o quadro mundial.
Elas apareceram com ideal de organizar a sociedade civil. Estas organizações vinham para garantir os mínimos básicos, em muitos casos vinham para suprir as demandas sociais, responsabilidade do estado. Para ajudar auxiliar o estado, estas instituições começaram a receber benefícios como isenção de impostos, dinheiro público e a possibilidade de receber doações de pessoas e empresas, desde que todo o montante fosse investido no objetivo de existência da instituição.
Isto proporcionou crescimento das ong’s e o aparecimento do terceiro setor. Entretanto, neste contexto, moldado pelo neoliberalismo o estado passou a se omitir das demandas sociais, oferecendo ao terceiro setor a atenção com os carentes. As empresas passam a ser beneficiadas pela existência do terceiro setor, pois em nome das demandas sociais podem fazer doações às ong’s e receber do estado a isenção tributária.
Mas não bastava a isenção de impostos, as empresas queriam mais. Além de ter benefícios fiscais elas queriam impregnar sua marca, gerar mídia espontânea e receber gratuitamente espaço nobre em jornais e na televisão. Então, uniram a demanda social ao investimento de capital privado (na verdade dinheiro público, pois se trata de valor que deveria ter sido empenhando no pagamento dos impostos).
As grandes empresas, no ensejo de gastar menos e obter mais espaço na mídia, lançam seus institutos próprios, muitas vezes com o mesmo nome e logo-marca semelhante. Depois, estes institutos começam um trabalho doentio e até maluco para criar os chamados projetos sociais. Muitos até interessantes, mas alguns se formam como “Frankensteins”, pois partem de uma idéia interessante, mas como não são frutos de uma demanda local, e em alguns casos são aplicados de modo despótico nas comunidades, dificilmente se mantém ou geram bons frutos.
A responsabilidade social se apresenta como uma febre capitalista. Muito dinheiro investido, muito trabalho árduo e pouquíssimo resultado real. São os mecanismos que o neoliberalismo descobriu para manter a estagnação social. A sociedade se apresenta com um primeiro setor fraco e vulnerável, o governo, diante de um segundo setor em constante crescimento que detém o domínio do terceiro setor e faz dele seu espaço de expansão social.
Este modelo criou ong’s a serviço do neoliberalismo. Que com muita facilidade, e na busca de captar financiadores, mudam a razão de sua existência, favorecendo a manutenção das grandes empresas e garantindo a estagnação social.

O individualismo e a crise humana

Vivemos o auge da era do indivíduo. Para onde olhamos vemos a queda dos ideais de coletividade. Desde a instituição familiar até as mais ideológicas linhas de pensamento coletivo perderam sua dinâmica interna. As instituições se percebem numa crise interna, esta crise está intimamente ligada ao novo modelo humano que passou a imperar, o humano individualista.
Quando falamos em individuo nos remetemos ao latim, onde se diz “individuu”, que significa aquele é único e indivisível. Ou seja, o indivíduo é algo que é por si e único. Não pode ser cindido nem separado. Na seqüência vemos o surgimento dos termos “individualidade”, que se remete ao modo de ser do individuo, e “individualismo”, que se refere à doutrina, corrente, filosofia, ou seja, uma doutrina do individual. Se fizermos uma analogia com outro termo, por exemplo “cristianismo”, notamos de um lado o “Cristo”, naquilo que ele foi, e de outro lado o “cristianismo”, o modo com que vivem e se relacionam os que crêem em Cristo, percebemos claramente que um nada tem a ver com o outro. O “ismo” se refere à decadência (saída da cadência originária) de um elemento auto-suficiente e forte por si. Daí que a individualidade é valorosa e importante, mas o individualismo se apresenta como fator de permanente atenção, pois pode aparecer de várias formas, criando processos estranhos e perigosos a existência humana.
A individualidade é uma das mais fortes marcas do humano. É ele, enquanto indivíduo, que age no mundo. Contudo, a vida acontece na coletividade, somos um “nó de relações”. Mas, hoje vemos acentuar-se a valorização do individuo, neste processo cada um coloca seus interesses acima de qualquer coisa. Ou seja, a autoridade do individuo está acima de qualquer definição apresentada anteriormente. Os valores universais não estão definidos e claros, pois cada um faz uma leitura do mundo a partir de valores individuais, que nem sempre são consensos humanos.
Todo este movimento pode ser presenciado publicamente na política, onde cada indivíduo busca o melhor para si, defendendo somente interesses particulares. De certo modo o entendimento de “pólis” é novo, pois não se enquadra no ideal de bem comum, mas de adequação ao individual. Assim, as estruturas políticas surgem para servir alguns indivíduos, em suas necessidades especificas, não se atendo às necessidades reais da coletividade.
O que chamamos de corrupção nada mais é do que a cristalização do individualismo na política. O corrupto se coloca acima de qualquer coisa, ele é o único individuo que deve ser beneficiado. Ou seja, nada existe além dele. Neste modo de pensar, onde o individuo é o centro, a punição se torna inútil, pois não age como regeneradora, mas vem motivar novas ações na mesma intensidade.
Vivemos uma crise universal de valores coletivos. “Tudo que era sólido, está desvanecendo no ar” . A humanidade urge por novos valores, por um novo ethos, onde aja um consenso mínimo que garanta a sobrevivência da espécie.

Equilíbrio familiar



Às vezes, paramos para observar os tipos humanos. Não são muitos, mas todos partem de dois princípios básicos, que os orientais chamavam de Yin-Yang. A essência existencial se dá neste processo dual, onde uma única realidade se apresenta de modos diferentes, num colorido autêntico. O equilíbrio está na perfeita vazão destas forças, onde elas não se anulam, mas são plenificadas pela complementaridade.
Assim, o mesmo se apresenta ora como passividade, ora como atividade, não existindo diferença de valor (Bom / Mau) entre eles, mas na união dos dois irrompe a força vital. Na milenar estrutura da família, a mesma dinâmica aparece, nela o pai representa o vigor e a mãe a ternura. Quando existe o perfeito equilíbrio entre ternura e vigor, onde cada um corresponde ao valor que tem, a família se encontra psiquicamente saudável.
No mundo agitado em que vivemos, lentamente estes papeis estão se perdendo. A mãe, que antes trazia o arquétipo da ternura, começa a sobressair como vigor, assumindo os papeis de força e virilidade. O profissionalismo feminino toma o espaço antes destinado à família. Neste processo, a mulher tende a esquecer da ternura e se dispõe a competir com o vigor. Vemos um processo de masculinização do princípio feminino.
O homem, por sua vez, se vê deslocado em seu vigor ficando escondido e velado. Irrompe de outro lado a super-mãe que anseia por um lugar no mercado de trabalho, mas que não pode esquecer do cuidado com os filhos. Este novo movimento está gerando um stress estonteante. A estrutura psíquica, que se mantinha num modo ordenado há milênios, foi fragmentada. Sem juízo de valor, percebemos uma nova dinâmica, onde as famílias se encontram desestruturadas e sem clareza de sua função no mundo.
A crise instaurada por este novo sistema está se refletindo nos filhos. Enquanto os progenitores estão perdidos em seus papeis, os filhos vão nascendo e crescendo sem a clareza necessária para o equilíbrio psíquico. Vemos, por todos os lados, surgir inúmeras doenças psíquicas, muitas, senão a maioria delas, têm sua origem nos primeiros anos de vida. Estas doenças surgem do modo com que os pais se relacionam como família.
Os dois princípios que constituem o universo, Yin-Yang, se bem integrados mantém a harmonia. Assim, como na constituição da família, se a ternura feminina e o vigor masculino estiverem relacionados e forem movidos e direcionados por um amor verdadeiro, perceberemos nela a harmonia que garante a saúde da psique. Assim, já nos ensinavam os gregos: “Na união dos opostos está a mais perfeita harmonia”.

A Irracionalidade da Razão



Em nosso modelo capitalista estamos experimentando o desenvolvimento destrutivista. Em nome do crescimento, da expansão e da atração de capital em vistas do enriquecimento, observamos a destruição do conjunto ambiental, em conseqüência disto a destruição do espaço propício para a vida humana.
Em pouco tempo teremos um planeta superaquecido, imensas regiões desérticas e a inevitável extinção de nossa raça. Isso tudo em nome do desenvolvimento.
Até o final da Idade Média, considerada pela ignorância racional como idade das trevas, tínhamos o ser humano vivendo em perfeita harmonia com seu planeta. Esta harmonia tinha como base a compreensão da divindade como centro de tudo, de onde tudo provém e para onde tudo retorna. Nisto, o homem conhecia seu lugar no mundo e cada elemento era considerado como criatura de Deus, ou seja, todos filhos de um mesmo pai. Alguns eram mais claros e objetivos ao chamar cada elemento que compõe a natureza de irmão, constituindo uma fraternidade universal.
Dentro da grande fraternidade, onde um só era o senhor, uma harmonia típica se dava. Não se tratava de um mundo perfeito, sem problemas e dificuldades, mas sim de um mundo onde a existência se garantia pela pacífica convivência com o natural.
Com o iluminismo fomos visitados pelas luzes da razão, a fé do modelo medieval foi colocada em cheque e desqualificada. Desde aquele momento, o homem se tornou o centro do universo e a divindade passou a ser vista por um outro prisma, o divino foi colocado à disposição do homem.
Após a substituição da fé pela razão, irrompeu a necessidade de dominar, o homem se tornou o senhor de tudo, ocupando o lugar do criador e colocando tudo a sua disposição.
Neste processo o homem é o senhor de tudo e presume controlar todas as coisas. Esta presunção provém da arte científica racional que tudo quer conhecer e tudo quer controlar. Somos guiados por uma ciência que para conhecer um determinado ser precisa destruí-lo, fragmenta-lo e dividi-lo. Portanto, não se trata de uma ciência de vida, mas de morte. Pois para estudar um determinado elemento precisa retira-lo de seu habitat e criar condições artificiais, entretanto a vida em plenitude não se dá no artificial.
O que não percebemos é que esta força não está garantindo nossa sobrevivência. A única coisa que pode manter o equilíbrio da terra, que pode garantir a sobrevivência do homem sobre terra é o retorno ao frugal, ao simples e à compreensão de submissão aos princípios naturais. Onde não estamos acima de tudo, mas somos simplesmente uma parte do todo.

Pensamento Autônomo

Muitas correntes pedagógicas se propõem a educar para a autonomia. Contudo, poucas conseguem fazer a des-coisificação do educando. A modernidade, em seu processo de materialização, cindiu o ser humano em diversos aspectos e transformou-o em coisas. Na escola percebemos como o aluno foi coisificado (tornou-se material). Portanto, nessa compreensão, existem em sala de aula duas coisas que interagem, um aluno-coisa que aprende e um professor-coisa que ensina.
O professor, nesse processo, deixou de exercer seu papel de educador. Educação do latim “educatio” que significa "formação do espírito e instrução", que deriva-se do verbo “educare” e tem sentido de "retirar para fora, criar, nutrir, conduzir, levar". O professor se tornou um cumpridor, reprodutor de um conhecimento solidificado.
Deste modo, a escola formal não consegue ver no professor um mestre, pois o mestre é aquele que retira daquilo que já está no discípulo, conduzindo-o ao pensamento autônomo. Platão dizia que todos já conhecem o que realmente é importante para a vida, basta recordar, a esta recordação dava o nome de “anamnese”.
A autonomia requer liberdade. Na educação moderna, ela pode surgir a partir do modelo da liberdade assistida, um momento de livre gozo da reflexão. É importante para o aluno conhecer os milhares de conteúdos, contudo é primaz saber pensar sobre estes conteúdos, tendo a possibilidade de indagar e ser indagado, de duvidar, de reconhecer e de experimentar e até de negar.
Alguns professores vêem sua profissão em crise, com a ascensão da informática, com o acúmulo de dados e informações, tudo aquilo que ele sabia e ensinava pode ser acessado pelo aluno a qualquer momento e em qualquer lugar, a informática começa a competir com o método educacional hodierno. Por isso, o modelo formal de professor está realmente em “Xeque”. O acúmulo de dados, a modo de cursinho pré-vestibular, passa a ser visto como necessidade momentânea, pois a aprendizagem tem um único objetivo, que não a vida do sujeito.
Nesta coisificação, tudo é compreendido na dinâmica mecanicista, onde uma peça pode ser substituída por outra. Assim, na educação, podemos substituir o professor por um outro repassador de conteúdos, como o computador. A máquina, além de não se cansar é interativa e divertida.
Contudo, este processo atual não permite a abertura para a criatividade. Ao aluno cabe a reprodução de tudo que lhe é apresentado, o melhor aluno não é aquele capaz de criar, mas o capaz de reproduzir. A educação em si é a formação para a autonomia. Quando falamos em formação não queremos nos remeter ao sentido de fôrma, a modo de formal onde todos devem cumprir um mesmo papel, como a “Cama de Procusto”, mas sim forma no sentido de dar forma, como autoforma, onde o oleiro dá a melhor forma à argila e cada peça ali é única.

Meditação

Durante o dia-a-dia nos deparamos com muitos afazeres, passamos a vida no alvoroço de cumprir muitas tarefas. Vivemos no mundo do ativismo, onde o “produzir” está no centro da vida. A frenesi pela conquista faz com que convivamos cada vez mais com a competição e o estress, pois tempo é algo precioso e deve ser empenhado nesta batalha. Para que tanta correria, se isso não acrescenta um dia sequer em nossa vida?
O homem, nessa lúgubre tarefa do ativismo, afasta-se de sua essência, deixa de ser o agente da vida e se torna um mero cumpridor. Na situação em que vivemos nós não agimos mais, somente re-agimos a tudo.
Neste imenso mar de re-ações somos chamados a parar. A meditação é um momento propício para simplesmente pararmos e deixarmos que nossos sentidos sintam, voltando-nos à nossa essência.
Entretanto, a meditação tornou-se mais um produto para o mundo do ativo capitalismo. Em qualquer banca de jornal podemos encontrar inúmeros manuais de meditação, com seu devido roteiro audiovisual. Percebemos, então, que a suposta meditação também se tornou um produto, que deve ser vendido e comprado.
Contudo, para meditar é necessário uma aproximação muito grande com a terra, é preciso parar e respirar como a terra respira, agir de modo lento como a terra age, e deixar a vida brotar, como a terra deixa. Saber calar é o primeiro passo para a meditação. É preciso calar o coração, deixando de lado primeiro o julgamento.
Existem pessoas que, além de estar no frenesi das muitas coisas, vivem a vida dos outros. Alguns instintivamente declaram-se melhores, passam então a vigiar e julgar, nisso esquecem de viver a própria vida.
Para a meditação é preciso calar o julgamento e perceber-se só. Quem medita não pode temer a solidão pois, assim como morrer, a meditação acontece na mais profunda ausência de pessoas. Da mesma forma que ninguém é capaz de acompanhar alguém na morte, é impossível meditar pelo outro. Saber estar só é determinante para a meditação, pois quem tem a capacidade de viver na solidão saberá compreender o outro e assim viver em comunidade.
Meditar é algo em si. Monja Coen ensina que “meditar é um verbo intransitivo”. Ou seja, não meditamos sobre isso ou aquilo, simplesmente meditamos. A meditação surge como parada, numa ausência total de re-ações. Ali na meditação conseguimos agir, aprendemos a cuidar de nosso corpo por meio da observação. Nos colocamos à disposição de nossos sentidos e passamos a observa-los. Desta observação chegamos ao conhecimento.
Lentamente vamos entrando num mundo de silêncio, onde a turba mental cede espaço e a vida passa a se dar num colorido diferente. Deixamos de re-agir e passamos a inter-agir com o mundo. Ao aproximar-nos da terra começamos a perceber que somos parte do todo.

A Intimidade na Mídia

Com o avanço da pós-modernidade iniciamos um confuso processo de abandono da intimidade. Neste processo a intimidade foi banalizada e está se tornando um rentável mercado através da mídia.
São inúmeros os programas televisivos em que os protagonistas estão expondo completamente sua vida particular. Nos Reality Shows os atores vivem publicamente a intimidade, mostrando abertamente seus sonhos e vontades mais secretas. A divulgação da intimidade passou a ser encarada como possibilidade de lucro, quanto mais exposto estiver, mais famoso será. Os indivíduos de destaque conhecem bem o que é não poder gozar da intimidade. Porém, a cada dia os cidadãos comuns desejam e insistem em entrar nesta dinâmica auto-expositiva. Podemos ver claramente isso nos sites de relacionamento, onde muitos se expõe completamente, como no ORKUT.
A demasiada exposição faz como que percamos a consciência de que somos seres dotados de segredos e somos valorosos por aquilo que guardamos no mias secreto de nosso coração, nossos sonhos e ideais. Quando nos descobrimos desprovidos de intimidade, detectamos a falta do que nos é essencial. Entretanto, vida real acontece no silêncio da intimidade, no aconchego carinhoso do abraço afetivo, onde impera a subjetividade do individuo consciente de si.
Existem diversos prazeres que se dão em público, sejam os aplausos de reconhecimento pelo trabalho bem-sucedido ou a festa surpresa de aniversário. Contudo, podem ser prazeres momentâneos e vazios, pois dependem do reconhecimento de outras pessoas. São prazeres passageiros se os aplausos ou a festa não estiverem envolvendo pessoas especiais. O homem midiático (dependente da mídia) sustenta a idéia de que a satisfação e a felicidade têm a ver com a imagem projetada ao público. Depois de gerada a imagem, a mídia exige que ela seja mantida e defendida. Muitos famosos perdem seu sossego na tentativa de fazer jus à imagem, mascaram seus atos e tentam esconder-se. Alguns são tão assediados que não conseguem sequer ir ao mercado. Com tempo, após anos de sucesso, se encontram sozinhos rodeados de pessoas.
Então percebem que a vida se foi, que os prazeres públicos sufocaram a alegria das coisas simples, que casa encontra-se vazia, que não há amigos verdadeiros, que perderam horas cercados de curiosos, de paparazos, em meio a tantas entrevistas que não tiveram tempo para amar. Passaram os anos entre um casamento e outro, entre um drink e uma aparição na televisão, mas não viveram a intensidade. A mídia lhes roubou seu segredo, a intimidade se perdeu e tudo se tornou um grande jogo de faz de contas, onde a pompa das festas e roupas caras tomou o lugar da vida simples e dos encontros de família.
“A vida ensina que a felicidade jorra da intimidade. Não há outra fonte. Pode haver prazer na apropriação, alegria no encontro, júbilo numa boa surpresa. Porém, felicidade, como profundo deleite do espírito, só na intimidade amorosa, na oração sem imagens e palavras, na contemplação do belo, no acolhimento do ser querido, na entrega ao mistério, na eternização subjetiva de um momento, na poesia de um toque, um gesto, uma palavra que traz em si plenitude”. (Frei Betto)