“Non multa, sed multum”

(não muitas (coisas), mas muito (intenso)


Dando continuidade aos temas propostos, vamos lentamente adentrando no modelo esotérico de estudo, aqui chamaremos de “Studium”, pois acena para a dedicação plena para um fim, para um profundo amor. Neste modo de estudo vale recordar o provérbio latino, “non multa, sed multum”. Ou seja, não são as muitas coisas, a infinidade de saberes ou a quantidade de dados, que definem o estudo, mas a profundidade de cada uma das realidades. Uma única busca, intensa, profunda, o único necessário e essencial. O esotérico, em seu caminho, busca por uma única perfeição. O saber que se remete ao poder, ao domínio do mundo e dos entes, quer “multa”. O espírito, no que condiz ao “studium” diz o “multum”. Assim, bem assentado no que é seu, o esotérico dedica sua vida com graça e plenitude àquilo que lhe é próprio, a intensidade das pequenas coisas.
Podemos sentir na profundidade dos medievais a força propulsora deste bem fazer. De modo que, para a compreensão moderna pouco fizeram, pouco construíram, mas num entendimento de ”Studium” muito fizeram, pois foram perfeitos e nos mais insignificantes detalhes. Daí que um monge podia entregar sua vida à cópia. E ali, sobre aquele cavalete, passar toda a vida fazendo pouquíssimas cópias, desenhando milhares de iluminuras num único texto. Pois, o mais importante no trabalho é a perfeição alcançada.
Então para compreender este mundo esotérico é necessário ser iniciado nele. A iniciação acontece no âmbito do coração. Não são os dados, histórias ou rituais, que garantem este primeiro passo, visto que ele se dá no escondido, onde ninguém tem acesso. Lá, no íntimo, começamos a ouvir um burburio que se intensifica e se concretiza num novo caminho, uma nova forma de ler o mundo. A partir deste primeiro passo conseguimos construir a intensidade nas pequenas coisas. Fernando Pessoa compreendeu muito bem este processo, onde a grandeza se dá pela disposição à intensidade que se apresenta em tudo como inteireza do ser: “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive”.
A iniciação precisa ser acionada, isto pode acontecer a partir de fora, pela convivência com um mestre, ou a partir de dentro, por uma iniciativa própria, em decorrência do contato com o mundo. A garantia da iniciação está na disposição do discípulo. O mestre não garante a iniciação, mas pode, a partir da experiência própria, auxiliar no primeiro passo no caminho do discípulo.
No esoterismo a quantidade de informação não é importante, pois para iniciar este caminho é necessário a completa superação de nossas seguranças. Os verdadeiros artistas e os grandes poetas compreendem muito bem isto.
O conhecimento, por sua vez, garante o primeiro passo. Conhecer quer dizer “nascer com”, “nascer novamente”, “re-nascer”. Assim, para iniciar o processo é preciso re-nascer, assumir a vida numa nova ótica. Para Jesus Cristo, quem não nascer novamente não poderá ver o Reino de Deus. Este re-nascer tem a ver com uma nova leitura do mundo, pois como diz o Nazareno: “O Reino já está no meio de vós”... “e somente quem tiver ouvidos para ouvir, ouvirá”...

Conhecimentos Esotéricos

Qualquer revista ou jornal que abrimos, encontramos um espaço destinado ao horóscopo, às previsões e até à magia. Entretanto, em nossa época, todos estes elementos aparecem na superfie dos acontecimentos. Surgem como previsões mágicas ou extraordinárias, todavia o esoterismo fala da vida ordinária, do trivial, do dia-a-dia.
Às vezes, nos colocamos a discutir sobre estes elementos, porém nossa conversa se concentra na afirmação ou na negação dos mesmos. Somos tão medíocres que nos damos ao luxo de acreditar ou não, e ainda condenar os que pensam de forma diferente. Ou seja, mantemo-nos na superficialidade de nosso EGO, sem adentrarmos naquilo que o esoterismo tem de mais precioso e quer nos mostrar.
Contudo, vemos pulular inúmeros pseudo-terapeutas que tentam usar dos milenares conhecimentos esotéricos como fonte de renda. Infelizmente, estes nada entenderam e nada fazem a não ser transformar a sutileza do divino num comércio bruto e inócuo.
Na Grécia antiga irrompem dois modos de conhecimento: o “exo-térico” e o “eso-térico”. O saber exotérico tratava da sabedoria trivial, daquilo que pode ser ensinado ao grande público, das coisas que podem ser ditas e discutidas com todas as pessoas, sem necessidade de uma iniciação. Todavia, o conhecimento “esotérico” é o aplicado aos discípulos, àqueles que estavam mais próximo do mestre. Este ensinamento oferecia um certo entendimento do mundo e das coisas, de modo mais profundo e secreto. Os textos do Evangelho têm muitos exemplos de conhecimento esotérico, principalmente quando Jesus utiliza a frase: “Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça.” Ou seja, ele não fala para todos, mas somente àqueles que têm os ouvidos afinados, àqueles que estão aptos para ouvir.
O esoterismo só pode ser oferecido aos que têm o ouvido atento, aos que ouvindo podem escutar, e escutando conseguem por em prática. Deste modo, muitos até têm contato com as palavras de mestre, mas por estarem na dinâmica do grande público jamais a colocarão em prática. Em Coríntios 13 podemos ver, no texto de Paulo, a dinâmica desta instrução: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o sino que retine em vão”. Sem esta disposição todo conhecimento formal, toda ciência, toda matemática, para nada serve, ao contrário somente ocupa espaço.
Segundo Paulo, existe um acionador para o conhecimento esotérico, somente quem ama tem acesso a este saber. Portanto, não basta ter ouvidos é preciso saber ouvir. Todo empenho do esoterismo está em mostrar aquilo que realmente somos, sem as aparências criadas. Em Jesus todo este saber era exposto a cada fala, em cada momento, porém somente quem tem os ouvidos afinados podem compreender o segredo de sua mensagem.
Nas próximas edições estaremos visitando diversos modos do conhecimento esotérico. Assim, poderemos entender um pouquinho mais sobre nossa existência humana na terra e sua relação com o sagrado. Porém, somente quem tiver os ouvidos afinados poderá participar desta discussão.

Gentileza gera Gentileza

Podemos chamar de gentileza a atitude nobre, daquelas poucas pessoas de boa linhagem, que antes de tudo sabem amar a vida e com graciosidade transmitem este amor a cada gesto.
Gentileza fala da liberdade que temos para o amor. Somente os humanos são capazes de ter consciência de sua gentileza. A natureza é gentil por si. O sol nasce por puro amor e dom, a chuva caí em sua beleza e simplicidade, gentilmente as árvores crescem e a brisa sopra. Quando falamos da gentileza nos remetemos ao lugar de cada um no mundo, como que bem assentado e com o respeito que lhes cabe.
Das grandes pessoas que fazem a história de nosso país, queremos destacar o Profeta Gentileza. Para aqueles que não ouviram falar dele, deixamos alguns traços da história do homem que só quis disseminar o amor pelas ruas do Rio de Janeiro.
Seu nome de batismo era José Datrino, o centro de todo o seu ensinamento era “Gentileza gera Gentileza”. A partir dos anos 80, depois que o fogo consumiu o circo em que vivia, o Profeta começou a pintar diversos painéis nas pilastras do Viaduto do Caju. As mensagens eram coloridas em verde e amarelo, todas propondo uma crítica ao mal-estar vivido pela humanidade. Estes painéis ofereciam a gentileza como solução para todo o sofrimento gerado pela desarmonia e desamor.
Após sua morte, a prefeitura do Rio mandou pintar de cinza as pilastras, cobrindo os murais do profeta. A reação da sociedade foi instantânea, logo surgiram movimentos pró-Gentileza. Um dos movimentos mais conhecidos foi o da MPB, com a cantora Marisa Monte, na letra da canção com o nome do profeta. A movimentação da sociedade obrigou o poder público a restaurar a obra do profeta.
O ensinamento de amor, proposto por Gentileza, tenta direcionar a humanidade para um novo momento, onde a pureza do ser humano pode ser realçada e a alegria da existência se apresenta de modo valoroso.
Ser gentil é viver e proporcionar vida. Somente na medida em que amamos a vida podemos viver livres do sofrimento, proporcionando amor aos outros. Por isso, amor é a mola propulsora da gentileza. Assim, em cada painel o profeta realçava em cores e formas a palavra amor, sempre repetindo inúmeras vezes suas letras.
Nada diferente do ensinamento de Cristo, que abandona todos os textos e coloca de lado até o decálogo de Moisés, para simplesmente dizer: “amai-vos uns aos outros”.A sociedade atual é sedenta por amor, somos carentes deste sentimento, pois direcionamos nossa vida somente em direção ao material. Porém, o material não supre a maior lacuna de nossa existência, a incerteza do futuro. Esta incerteza faz com que ajamos como rolos compressores capazes de destruir tudo que se apresente entre nós e nosso objetivo. Contudo, com o tempo nosso corpo e nossa psique começam a cobrar por nosso desamor e falta de gentileza com a vida. Surgem, como conseqüência, a depressão, o desespero, o sofrimento, as dores e doenças. Tudo isso pode ser evitado se não esquecermos a proposta do profeta: “Gentileza gera gentileza”, do mesmo modo que o amor gera a felicidade.