Pensamento Autônomo

Muitas correntes pedagógicas se propõem a educar para a autonomia. Contudo, poucas conseguem fazer a des-coisificação do educando. A modernidade, em seu processo de materialização, cindiu o ser humano em diversos aspectos e transformou-o em coisas. Na escola percebemos como o aluno foi coisificado (tornou-se material). Portanto, nessa compreensão, existem em sala de aula duas coisas que interagem, um aluno-coisa que aprende e um professor-coisa que ensina.
O professor, nesse processo, deixou de exercer seu papel de educador. Educação do latim “educatio” que significa "formação do espírito e instrução", que deriva-se do verbo “educare” e tem sentido de "retirar para fora, criar, nutrir, conduzir, levar". O professor se tornou um cumpridor, reprodutor de um conhecimento solidificado.
Deste modo, a escola formal não consegue ver no professor um mestre, pois o mestre é aquele que retira daquilo que já está no discípulo, conduzindo-o ao pensamento autônomo. Platão dizia que todos já conhecem o que realmente é importante para a vida, basta recordar, a esta recordação dava o nome de “anamnese”.
A autonomia requer liberdade. Na educação moderna, ela pode surgir a partir do modelo da liberdade assistida, um momento de livre gozo da reflexão. É importante para o aluno conhecer os milhares de conteúdos, contudo é primaz saber pensar sobre estes conteúdos, tendo a possibilidade de indagar e ser indagado, de duvidar, de reconhecer e de experimentar e até de negar.
Alguns professores vêem sua profissão em crise, com a ascensão da informática, com o acúmulo de dados e informações, tudo aquilo que ele sabia e ensinava pode ser acessado pelo aluno a qualquer momento e em qualquer lugar, a informática começa a competir com o método educacional hodierno. Por isso, o modelo formal de professor está realmente em “Xeque”. O acúmulo de dados, a modo de cursinho pré-vestibular, passa a ser visto como necessidade momentânea, pois a aprendizagem tem um único objetivo, que não a vida do sujeito.
Nesta coisificação, tudo é compreendido na dinâmica mecanicista, onde uma peça pode ser substituída por outra. Assim, na educação, podemos substituir o professor por um outro repassador de conteúdos, como o computador. A máquina, além de não se cansar é interativa e divertida.
Contudo, este processo atual não permite a abertura para a criatividade. Ao aluno cabe a reprodução de tudo que lhe é apresentado, o melhor aluno não é aquele capaz de criar, mas o capaz de reproduzir. A educação em si é a formação para a autonomia. Quando falamos em formação não queremos nos remeter ao sentido de fôrma, a modo de formal onde todos devem cumprir um mesmo papel, como a “Cama de Procusto”, mas sim forma no sentido de dar forma, como autoforma, onde o oleiro dá a melhor forma à argila e cada peça ali é única.

Meditação

Durante o dia-a-dia nos deparamos com muitos afazeres, passamos a vida no alvoroço de cumprir muitas tarefas. Vivemos no mundo do ativismo, onde o “produzir” está no centro da vida. A frenesi pela conquista faz com que convivamos cada vez mais com a competição e o estress, pois tempo é algo precioso e deve ser empenhado nesta batalha. Para que tanta correria, se isso não acrescenta um dia sequer em nossa vida?
O homem, nessa lúgubre tarefa do ativismo, afasta-se de sua essência, deixa de ser o agente da vida e se torna um mero cumpridor. Na situação em que vivemos nós não agimos mais, somente re-agimos a tudo.
Neste imenso mar de re-ações somos chamados a parar. A meditação é um momento propício para simplesmente pararmos e deixarmos que nossos sentidos sintam, voltando-nos à nossa essência.
Entretanto, a meditação tornou-se mais um produto para o mundo do ativo capitalismo. Em qualquer banca de jornal podemos encontrar inúmeros manuais de meditação, com seu devido roteiro audiovisual. Percebemos, então, que a suposta meditação também se tornou um produto, que deve ser vendido e comprado.
Contudo, para meditar é necessário uma aproximação muito grande com a terra, é preciso parar e respirar como a terra respira, agir de modo lento como a terra age, e deixar a vida brotar, como a terra deixa. Saber calar é o primeiro passo para a meditação. É preciso calar o coração, deixando de lado primeiro o julgamento.
Existem pessoas que, além de estar no frenesi das muitas coisas, vivem a vida dos outros. Alguns instintivamente declaram-se melhores, passam então a vigiar e julgar, nisso esquecem de viver a própria vida.
Para a meditação é preciso calar o julgamento e perceber-se só. Quem medita não pode temer a solidão pois, assim como morrer, a meditação acontece na mais profunda ausência de pessoas. Da mesma forma que ninguém é capaz de acompanhar alguém na morte, é impossível meditar pelo outro. Saber estar só é determinante para a meditação, pois quem tem a capacidade de viver na solidão saberá compreender o outro e assim viver em comunidade.
Meditar é algo em si. Monja Coen ensina que “meditar é um verbo intransitivo”. Ou seja, não meditamos sobre isso ou aquilo, simplesmente meditamos. A meditação surge como parada, numa ausência total de re-ações. Ali na meditação conseguimos agir, aprendemos a cuidar de nosso corpo por meio da observação. Nos colocamos à disposição de nossos sentidos e passamos a observa-los. Desta observação chegamos ao conhecimento.
Lentamente vamos entrando num mundo de silêncio, onde a turba mental cede espaço e a vida passa a se dar num colorido diferente. Deixamos de re-agir e passamos a inter-agir com o mundo. Ao aproximar-nos da terra começamos a perceber que somos parte do todo.

A Intimidade na Mídia

Com o avanço da pós-modernidade iniciamos um confuso processo de abandono da intimidade. Neste processo a intimidade foi banalizada e está se tornando um rentável mercado através da mídia.
São inúmeros os programas televisivos em que os protagonistas estão expondo completamente sua vida particular. Nos Reality Shows os atores vivem publicamente a intimidade, mostrando abertamente seus sonhos e vontades mais secretas. A divulgação da intimidade passou a ser encarada como possibilidade de lucro, quanto mais exposto estiver, mais famoso será. Os indivíduos de destaque conhecem bem o que é não poder gozar da intimidade. Porém, a cada dia os cidadãos comuns desejam e insistem em entrar nesta dinâmica auto-expositiva. Podemos ver claramente isso nos sites de relacionamento, onde muitos se expõe completamente, como no ORKUT.
A demasiada exposição faz como que percamos a consciência de que somos seres dotados de segredos e somos valorosos por aquilo que guardamos no mias secreto de nosso coração, nossos sonhos e ideais. Quando nos descobrimos desprovidos de intimidade, detectamos a falta do que nos é essencial. Entretanto, vida real acontece no silêncio da intimidade, no aconchego carinhoso do abraço afetivo, onde impera a subjetividade do individuo consciente de si.
Existem diversos prazeres que se dão em público, sejam os aplausos de reconhecimento pelo trabalho bem-sucedido ou a festa surpresa de aniversário. Contudo, podem ser prazeres momentâneos e vazios, pois dependem do reconhecimento de outras pessoas. São prazeres passageiros se os aplausos ou a festa não estiverem envolvendo pessoas especiais. O homem midiático (dependente da mídia) sustenta a idéia de que a satisfação e a felicidade têm a ver com a imagem projetada ao público. Depois de gerada a imagem, a mídia exige que ela seja mantida e defendida. Muitos famosos perdem seu sossego na tentativa de fazer jus à imagem, mascaram seus atos e tentam esconder-se. Alguns são tão assediados que não conseguem sequer ir ao mercado. Com tempo, após anos de sucesso, se encontram sozinhos rodeados de pessoas.
Então percebem que a vida se foi, que os prazeres públicos sufocaram a alegria das coisas simples, que casa encontra-se vazia, que não há amigos verdadeiros, que perderam horas cercados de curiosos, de paparazos, em meio a tantas entrevistas que não tiveram tempo para amar. Passaram os anos entre um casamento e outro, entre um drink e uma aparição na televisão, mas não viveram a intensidade. A mídia lhes roubou seu segredo, a intimidade se perdeu e tudo se tornou um grande jogo de faz de contas, onde a pompa das festas e roupas caras tomou o lugar da vida simples e dos encontros de família.
“A vida ensina que a felicidade jorra da intimidade. Não há outra fonte. Pode haver prazer na apropriação, alegria no encontro, júbilo numa boa surpresa. Porém, felicidade, como profundo deleite do espírito, só na intimidade amorosa, na oração sem imagens e palavras, na contemplação do belo, no acolhimento do ser querido, na entrega ao mistério, na eternização subjetiva de um momento, na poesia de um toque, um gesto, uma palavra que traz em si plenitude”. (Frei Betto)