Com quem eles falam? (Questão Natalina)


Como bom cristão (mesmo sendo um péssimo católico), assisti a Missa do Galo, transmitida pela Rede Globo de Televisão. Diante de toda aquela imponência, aquela beleza teatral, onde um papa, pouco carismático, cercado de cardeais em vestes vermelhas cumpria oficiosamente o rito da Vigília de Natal.

Tudo conforme o esperado até o momento da homilia. Naquele instante específico tive um “insight” , que se me apresentou como pergunta: “Com quem eles falam?”. Comecei em minha mente a rastrear os povos, as classes sociais e as culturas, depois recordei o Evangelho. Ao recordar a narração evangélica senti a distância do discurso papal e a vida prática dos povos.

Até onde sabia, a Criança Divina nasceu num estábulo. Envolto em paninhos foi colocado numa manjedoura. Aquele menino veio de modo pobre para os pobres, revelando aos pequenos o que ficaria sempre oculto aos grandes. Nasceu na miséria e miseravelmente viveu. Em sua vida, uma mensagem de paz plantou. Entretanto, sua mensagem não foi ouvida.

De repente sua mensagem é pregada de modo imponente, de cima de um trono, por homens vestidos de modo esplendoroso. Mas aquela criança não teria vindo para os pobres? Não era Jesus, o filho do carpinteiro? A velha pergunta ficou latente durante toda a homilia. “Com quem eles falam?” Não podemos maldizer a linda catequese que o papa proferiu. Contudo, não vi a concretização da mensagem da Criança Divina. Não havia pobres na celebração, os amigos íntimos do homenageado não foram convidados.

Fiquei assustado ao ver que representantes de diversos continentes estavam lá, que houve leituras em várias línguas européias, mas que ninguém sequer mencionou a pobre e sofrida África. Os Europeus se satisfazem com a rica e poderosa Romana Igreja, com lindos ritos mecânicos, que pouco dizem às outras culturas, como a africana.
Aquele Cristo da linda mensagem papal carrega os traços da cultura que se considera evoluída. Onde a pobreza é somente um adorno emotivo. Lá, comovidos com o presépio em gesso, todos cantavam a alegria da mesa natalina, onde a fartura impera. Mas e o cristo pobre? Ah, este ainda vive entre a pobreza. E ele recebeu um brinquedo velho, uma doação para que seu natal fosse um pouquinho melhor, uma peça de roupa usada. Ou seja, recebeu das sobras. E ainda não participou daquela apoteótica celebração.
Após a Missa do Galo não consegui responder a minha indagação. Não descobri qual era o destinatário daquela linda mensagem. Infelizmente ficou claro quem não recebeu a mensagem, eu mesmo acho que não a recebi. Espero encontra-la na simplicidade das poucas coisas e na pureza dos pobres, pois deles é o reino; na dor dos aflitos, pois serão consolados; entre os mansos, pois herdarão a terra; no gesto dos misericordiosos, pois encontrarão misericórdia; com os puros de coração, pois estes verão a Deus.

Quem tem o controle?

A infelicidade humana está associada a dois agentes principais: o medo e a ansiedade. Estes elementos convivem conosco criando mecanismos de defesa e destruição. Ou seja, eles são essenciais a nossa sobrevivência, mas também são causadores da infelicidade.
O medo gera a ansiedade e a ansiedade gera o medo. Medo e ansiedade formam um conjunto cíclico, onde um gera e propaga o outro. Quantas pessoas sofrem diariamente com o medo de perder o que amam. Estão mais preocupados em defender o que presumem possuir do que usufruir daquilo que lhes é ofertado.
A sensação de perda gera a ansiedade e a necessidade de defesa. Quanto mais tentamos defender o que temos, mais distantes estamos de nossa felicidade. Pois, deixamos de viver em função de nós e passamos a viver em função de nossas posses, sejam materiais ou afetivas.
Somente quando possuímos a liberdade diante das posses e as utilizamos com a consciência de que tudo que temos nos é dado como concessão, percebemos que o medo é em vão.
Temos medo o futuro. O que pode acontecer? Como será? Estamos constantemente tentando nos esquivar das dificuldades que virão. O medo da morte está em cada um gerando a imensa ansiedade.
Para vencer o medo é preciso encarar a realidade, tal como ela é. É preciso saber que o controle do universo não pertence ao homem. Os pais criam os filhos sonhando com um ideal, imaginam que serão pessoas e destaque, mas com o passar do tempo, os filhos seguem outro caminho. O agricultor estende suas plantações a fim de colher mais, depois de todo o trabalho o granizo vem acaba com sua produção. O investidor coloca seu dinheiro em fundos para render mais, de um momento para o outro o mercado muda e todo o dinheiro perde o valor. Logo de assalto vem a pergunta: “O que fazer?” ou “Onde foi que erramos?”.
Quando não sabemos o que fazer, não devemos insistir, cabe a nós aguardar. Quanto ao erro, erramos quando acreditamos que as coisas são lógicas e acontecem numa seqüência prática de fatos, numa articulação única e metódica de “se isto, então aquilo”. Todos os medos e ansiedades surgem a partir de nosso método estático de pensamento, pois sempre esperamos que os fatos ocorram na seqüência da lógica, porém sempre que algo tende a fugir do esperado iniciamos nosso processo de medo. Vemos a necessidade de aprender a esperar sem esperar. Quando nossa consciência se abre para este modo de pensar, conseguimos perceber a vida de diversos modos, sem a lógica pragmática, descobrimos quão suave e bom é viver.

Poder pelo poder




Existe em nós a ilusão do poder. Esta imaginação faz com que percamos muito tempo criando mecanismos e articulações para conseguirmos nossos objetivos. Imaginamos que após criarmos uma grande rede de relacionamentos, com inúmeras pessoas subordinadas a nós, teremos a felicidade.
Esta ilusão faz-nos perder anos tentando eliminar nossos inimigos. Mas o único poder que temos está na simplicidade das coisas que fazemos. Quando nos colocamos na luta pelo poder não conseguimos perceber as pessoas que nos cercam, passamos a tratar cada uma como degrau ou como empecilho.
A luta pelo poder cria e desata laços como se formam e desvanecem as espumas de sal na beira da praia. Aqueles que são amigos se tornam inimigos mortais em alguns minutos. O mais odiado adversário aconchega-se no quintal do mais poderoso. Brigar pelo poder é o movente dos homens fracos.
Ficamos impressionados com aqueles que alcançam altos títulos. Os mais fracos realmente necessitam de altos títulos para serem amados ou para serem percebidos. Não suportam os simples, pois estes além de incomodar pelo silêncio são capazes de coisas maiores.
Aqueles que brigam pelo poder se deparam cedo ou tarde com o isolamento, são respeitados e ovacionados, publicamente todos os louvam, mas intimamente são odiados. São odiados pelo modo com que se relacionam. A sede por possuir afasta os amigos verdadeiros e cria relações circunstanciais. São respeitados por serem temidos.
Porém, quem não busca o poder, o alcança sem perceber. Torna-se mais poderoso que um grande rei, pois sua grandeza está no amor. Quem ama é amado. O poder de quem ama provém de seu modo simples de agir e ser. Este não é temido, mas amado. Quando alguém é amado tem o domínio sobre o inaudito, é capaz de arrastar uma multidão pelo simples exemplo dado. Conhecemos Mahatma Ghandi, Tereza de Calcutá, Martin Luther King e tantas grandes personalidades que deram uma motivação ao mundo por seu exemplo.
O poderoso usa de sua força, de sua oratória, de seus artifícios. Porém o poderoso fica preso a seus subordinados. Quem nunca ouviu falar de um administrador que não pode mexer naquele subordinado incompetente porque ele sabe muito? Todo poder é volúvel, pois está suspenso em pilastras de vidro. A qualquer momento tudo pode vir ao chão.
No caminho esotérico temos a consciência destas escolhas. Aprendemos que o poder vale muito pouco e que seremos amados pelos amigos não pelo que possuímos, mas pelo modo com que oferecemos nossas vidas.