Desapego



Ouvi uma pessoa dizendo: “Você é louco por pensar desta forma!” De imediato surgiu uma resposta em meu coração: “A graciosidade da vida só é concedida aos loucos!”
Tudo que temos é mera concessão, nada nos pertence e de nada somos donos. Até mesmo a graciosidade da vida é concessão. Às vezes, imaginamos que possuímos ou que temos poder sobre algo, ou ainda que somos dotados de uma força controladora. Contudo, isso não passa de ilusão, de vaidade (do latim “vanitas”, que significa um punhado de vento), pois o universo se oferece a nós como algo concedido.
Se nada nos pertence, por que agimos como senhores de tudo? Como se fôssemos mais ou maiores? Quando iniciamos um processo de acúmulo, onde guardamos mais e mais, pelo simples fato de guardar, estamos nos fazendo proprietários de algo que não é nosso.
Como toda concessão, precisamos cuidar muito bem daquilo que recebemos. De maneira que quando formos devolve-la ao dono verdadeiro, o concedido esteja em perfeitas condições. Quem não conhece o Evangelho dos talentos? Onde cada um ganhou um pouco, alguns utilizaram o que receberam e fizeram multiplicar, mas um deles guardou, numa postura acumulativa, e voltou para devolver o que havia recebido. Aquele que guardou para si foi condenado.
O desapego consiste em “reconhecer as mãos de quem nos criou”. Isto é, dar o que é de direito de cada um. Na tradição religiosa tudo é concedido com a finalidade de multiplicar, de dar a todos e de partilhar, de maneira que todos participam da mesma mesa e dos mesmos dons.
Quando os monges carregavam algum livro, logo na sua contra-capa vinha a inscrição: “Para o uso simples de ...”. Aquele livro tratava-se somente de um instrumento, que não tinha um dono, mas simples usuários. Nesta tradição, nunca se oferece daquilo que está sobrando, como fazem os que acumulam, mas daquilo que se tem. A atitude de dar das sobras mostra que o acúmulo está acima do ser humano. Ou seja, na compreensão daquele que se apega é mais importante guardar que partilhar.
Por que motivo o apegado se dedica ao acúmulo? Simplesmente para satisfazer sua ilusão de segurança. Ele crê firmemente que a prosperidade reside em recolher e em ajuntar mais e mais. Este acúmulo gera a desigualdade, a fome e a miséria. No caminho esotérico, o desapego é fundamental. É preciso saber que somente aquele que consegue suspender as vaidades, os desejos e as vontades, é capaz de fazer um caminho reto. Portanto é preciso ter liberdade para ser, sem apegos e necessidades, é preciso ter a capacidade de abandonar tudo que pode gerar o apego. “Aquele que não for capaz de abandonar sua casa, pai, mãe e irmãos por causa do reino, não é digno de mim" (MT 10,37).

ORAÇÃO


No caminho espiritual, esotérico, a oração determina a passagem do homem velho para o homem novo. Contudo é preciso saber orar, não são as muitas frases ou palavras nem a repetição mecânica que garante esta passagem. Somente quando descobrimos o Deus que habita dentro de cada um, tornamo-nos capazes de orar com liberdade. A Oração passa de uma repetição inútil para uma fonte de vida eterna.
Aqui recordo as palavras de Santo Agostinho: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tu estás dentro de mim, mas eu estava fora, e fora de mim te procurava; com o meu espírito deformado, precipitava me sobre as coisas formosas que criastes”. Somente quando permitirmo-nos procurar o Senhor dentro de cada um de nós, poderemos nos deparar com a verdadeira oração.
Fora de nós, como Agostinho apresenta, podemos encontrar os seres que o Senhor criou. Mas dentro, em nosso íntimo reside a semente do próprio Deus. Os hindus têm como cumprimento a palavra “Namastê”, que significa: “Deus que habita em mim saúda Deus que habita em você”. Este modo de cumprimentar não remete à existência de deuses diferentes, mas sim à essência divina que é comum a todos os seres.
Orar é, portanto, encontrar a essência divina que cada um de nós possuímos. Interessante é o modo utilizado por Cristo para nos demonstrar como se dá este encontro. Encontro que não acontece no burburio das palavras, nem no palavrório de muitas pessoas. A oração se dá no silêncio, na ausência das muitas coisas, na companhia da mais profunda solidão e silêncio. “Quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas. Eles gostam de orar de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas para serem vistos pelos outros. Mas você, quando orar, vá para o seu quarto, feche a porta e ore ao Pai, que não pode ser visto. E o Pai, que vê o que você faz em segredo, lhe dará a recompensa. Nas suas orações, não fique repetindo o que você já disse. Deus não o ouvirá porque faz orações compridas. Pois, antes de você pedir, o Pai já sabe o que você precisa”.
A oração não precisa ser piedosa, lamuriosa ou toda cheira de adornos, ela deve ser simplesmente um frutífero diálogo com Deus, onde apresentamos a ele nossa vida tal como ela é. Deus não precisa de nossa oração, nem nos amará mais por orarmos, mas nós precisamos de nossa oração.
Orar é uma dádiva. Mesmo conhecendo tudo, o Pai nos dá o direito de lhe contarmos. Ele nunca nos abandona em nossos sofrimentos e necessidades. O Pai não só sabe como convive com nossas necessidades, daí que travar o diálogo com Deus nos permite perceber na Oração a fonte para o equilíbrio humano. “Quem com pureza de coração vive, adora essencialmente Deus em si mesmo.”
Namastê!

Literatura Hermética

No caminho esotérico a literatura hermética se apresenta como inspiração constante. É preciso ter contato com esta literatura para adentrar na tradição do profundo conhecimento apresentado por Hermes, o Trimegisto.
Na grande obra intitulada “A tábua da esmeralda”, Hermes apresenta a lei que rege todo o universo. Esta lei diz: “O que está embaixo é como o que está em cima, e o que está em cima é como o que está em baixo. E como todas as coisas vêm e vieram do Um, assim todas as coisas são únicas por adaptação”. Daí vem o termo “universo”, onde o “uno” vai irrompendo em modos diferentes, chamados de “verso”. Na medida em que o uno vai se desdobrando vão surgindo as coisas, os versos.
Nisto percebemos que há uma só lei que rege todo o universo, esta lei é única para todos os seres, de modo que tudo que se dá lá fora, acontece aqui dentro.
Numa visão mais prática, quando nos deparamos com o sistema solar, percebemos um núcleo (Sol) que sustenta todo um sistema de corpos que giram ao redor dele (planetas). Se partirmos para uma visão microscópica, nos deparamos com o átomo, onde há um núcleo que sustenta uma série de elementos (elétrons) que giram ao redor dele. Podemos perceber a reprodução do mesmo sistema, tanto numa esfera macroscópica, quanto microscópica.
Assim, em poucas palavras bem concentradas a literatura hermética se dá. Para o hermetismo não são necessárias muitas coisas, muitos textos ou palavras, o que realmente importa é a concretez de cada elemento. Ou seja, basta uma palavra para que toda a compreensão venha à luz. Assim, num simples toque irrompe alegremente a sabedoria.
Neste modo de entender, podemos chamar a sabedoria de interpretação. Somente o sábio consegue desvendar os segredos do hermetismo, interpretando, de modo claro e conciso, cada um dos elementos que residem no obscuro das palavras e oráculos.
Os textos bíblicos são repletos de exemplos herméticos, principalmente nos escritos de João, onde o hermetismo se apresenta como circularidade. Nisto recordamos Heráclito que diz: “Tudo se reúne na circunferência do círculo”.
O Evangelho de João começa da seguinte forma: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. E o Verbo se fez carne e armou sua tenda entre nós”. Com olhos bem afinados e a percepção aguçada podemos perceber a circularidade hermética do texto. Pois uma frase diz todo o mistério da fé cristã, onde uma palavra, promessa de Deus, que estava em Deus e era o próprio Deus, num dado momento se faz carne e passa a habitar como forasteiro o nosso mundo. A simples união de poucas palavras conta toda a história da salvação do homem, a isso damos o nome de hermético.